O Tribunal Constitucional (TC) angolano recusou o pedido de declaração de inconstitucionalidade da reunião plenária da Assembleia Nacional (Parlamento) em que a maioria do MPLA travou o pedido da UNITA, oposição, de destituição do Presidente angolano, foi hoje anunciado.
Em Dezembro do ano passado, o grupo parlamentar da UNITA remeteu ao Tribunal Constitucional um processo sobre a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de uma norma do Regimento da Assembleia Nacional (RAN), no âmbito do processo de acusação e destituição do Presidente da República.
Num acórdão hoje divulgado, os juízes conselheiros do Tribunal Constitucional decidiram “negar provimento ao pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma n.º 3 do artigo 284.º do Regimento da Assembleia Nacional”.
Na decisão, de 30 páginas, o plenário de juízes argumentou que o processo de destituição do Presidente da República no ordenamento jurídico angolano não é um acto de exclusiva competência dos tribunais, depende da intervenção dos dois órgãos de soberania, a Assembleia Nacional e os tribunais.
O plenário de juízes reforçou ainda que a função dos tribunais só é concretizada quando decidida pela Assembleia Nacional, sendo por isso a intervenção dos tribunais neste processo tão necessária quanto a deliberação do parlamento.
De acordo com o Acórdão, as competências conferidas aos tribunais superiores referidas nos n.º 3 e 4 do artigo 129.º da Constituição da República de Angola encontram-se constitucionalmente condicionadas a uma iniciativa da Assembleia Nacional, cuja atribuição lhe cabe com exclusividade, de acordo com o n.º 5 do mesmo artigo da Constituição.
“Assim sendo, quer o Tribunal Supremo, quer o Tribunal Constitucional, conforme o caso, não podem promover a responsabilização criminal e a destituição do Presidente da República sem que haja o impulso acusatório da Assembleia Nacional”, lê-se no acórdão.
O grupo parlamentar da UNITA reclamou que a presidente da Assembleia Nacional (do MPLA), Carolina Cerqueira, na sessão plenária extraordinária de 14 de Outubro de 2023, violou os preceitos legais sobre a criação de uma Comissão Eventual e a definição de um prazo para a elaboração do relatório parecer.
Segundo o grupo parlamentar do maior partido da oposição que a muito custo o MPLA ainda permite, Carolina Cerqueira, “foi forçada” a recorrer a vários “expedientes extra-regulamentares” e inconstitucionais para impedir que os deputados votassem, de forma secreta, a favor ou contra a criação da “Comissão Eventual” que trataria de acompanhar o processo de destituição do Presidente da República, proposto por 90 deputados da UNITA.
A UNITA considera que em causa estiveram violações ao Regimento da Assembleia Nacional e à Constituição da República de Angola (CRA), impostas por Carolina Cerqueira durante a sessão plenária extraordinária, convocada no dia 13 de Outubro, pela Comissão Permanente do Parlamento para deliberar sobre a criação ou não da “Comissão Eventual”, que se encarregaria de produzir o relatório parecer da proposta da UNITA de destituição de João Lourenço.
Nos termos da Constituição da República e do próprio Regimento da Assembleia Nacional, as votações são feitas antecedidas de um projecto de resolução, porém, em 14 de Outubro de 2023, Carolina Cerqueira decidiu inverter as regras do “jogo democrático” e impôs uma deliberação sem a presença de tal instrumento, o que desencadeou o caos entre os deputados da UNITA e do MPLA.
Em 18 de Outubro de 2023, tendo a débil ideia de que Angola tenderia a ser um Estado de Direito, a UNITA anunciou que ia intentar uma acção judicial junto do Tribunal Constitucional, na sequência da violação do Regimento da Assembleia Nacional e dos incidentes do dia 14 de Outubro de 2023, em que os deputados foram ‘obrigados’ a deliberar sem um projecto de resolução.
No caso apresentado pela UNITA em homenagem o nº 5 da alª b) do artº 129º CRA, alude: “A proposta de iniciativa é apresentada por um terço dos Deputados em efectividade de funções”. Significa, para qualquer político alfabetizado, que 1/3 de deputados corresponde a 74 deputados. A bancada da UNITA tem 90, bastantes, para a iniciativa de arranque, que não pode (isto na perspectiva de se divagar sobre um Estado de Direito) deixar de ser acolhida, pela presidente da Assembleia Nacional.
A Constituição neste quesito é imperativa não depende dos maus fígados da presidente ou da bancada maioritária do MPLA, salvo se romper com a incipiente democracia. Certo é que Carolina Cerqueira rompe com tudo o que o seu o patrão mandar.
Esta primeira fase terminaria com a eleição por maioria absoluta de uma Comissão de Relatório/Parecer, que deveria em tempo célere analisar a Iniciativa Processual da UNITA e no final, apresentá-la como resultado em nova Plenária.
Só depois deste acto se transitaria para a observância da alª c) do artigo 129º, que exige 2/3: “A deliberação é aprovada por maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções, devendo, após isso, ser enviada a respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou ao Tribunal Constitucional, conforme o caso”.
Aqui chegados, neste devaneio sobre a remota possibilidade de estarmos a falar de um Estado de Direito, constatamos que MPLA e UNITA não têm 147 deputados. Assim, para esta fase avançar carece que o proponente tenha elasticidade mental capaz de angariar, para o seu objecto, nas distintas bancadas parlamentares, 57 deputados.
Recorde-se que esta fase (segunda, alª c) do artº 129º), não está acoplada à primeira fase que, quer se queira quer não, descolou com todas as consequências jurídico-constitucionais, principalmente no tocante aos danos políticos irreversíveis à imagem do Presidente da República.
O pico alto, o mais intricado, que descontrola a bússola cerebral da bancada maioritária, tem a ver com o sistema de votação da iniciativa, que aponta, sem tergiversar o voto secreto em homenagem à Lei 13/17 de 6 de Julho, Lei do Regimento Interno da Assembleia Nacional, no seu artº 159º (Votação Secreta).
Assim, “fazem-se por votação secreta:
a) As eleições, salvo deliberação contrária tomada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções;
b) A acusação do Presidente da República nos termos do nº 5 do artigo 129º da Constituição e dos artigos 284º e 285º do presente Regimento;
c) A deliberações que, segundo o presente Regimento ou a lei, devam observar essa forma”.
Esta norma, para desgraça de certa obtusidade parlamentar, não pode, também, ser contornada, salvo em contravenção à lei. E foi o que aconteceu. Desgraça total.
É indescritível todo este regabofe, quando o caminho é sinuoso, até à destituição, capaz de ser esvaziado, na trincheira da vacatura, por um mandato, que terminado com o Presidente sob processo ou pelo(a) Vice-Presidente, anulado, o tempo não tem nenhum efeito jurídico – constitucional, segundo o nº 1 do artº 132º (Substituição do Presidente da República): “Em caso de vacatura do cargo de Presidente da República, as funções são assumidas pelo Vice-Presidente da República, até ao fim do mandato, com plenitude dos poderes, não sendo este período considerado como cumprimento do mandato presidencial, para nenhum efeito”.
A falta de interpretação deste articulado é o reconhecimento da opaca visão cerebral de quem confunde a obra-prima do Mestre com a prima do mestre de obras.
[…] Source link […]